Judite Cardoso, a doceira-mor de Portalegre

Judite Cardoso foi homenageada em Portalegre, no âmbito da Feira da Doçaria Conventual e Tradicional de Portalegre, com a presença da sua filha, residente em Campo Maior, com fotografias de Raul Ladeira e José João Bica. Recuperamos um texto de publicado em 2015:

“Poucas pessoas dominam como Judite os pontos do açúcar e o seu predilecto é o de cabelo, em que a pasta fica tão fina e leve que se solta em fios. Usa-se na preparação do manjar-branco, doce que leva leite, açúcar e farinha de arroz e é uma obra delicada da doçaria conventual.

Judite Cardoso, de 87 anos, é perfeccionista e diz que não é preciso ter mão: com empenho, tudo se faz. Fez centenas de manjares, rebuçados de ovos, presuntos ou lampreias doces, tudo relíquias em Portalegre. Durante 60 anos, Judite foi com a irmã Laurinda o rosto dos doces do Convento de Santa Clara, cumprindo religiosamente as receitas que a mãe herdou de uma amiga, afilhada de uma freira. “Fê-los pela primeira vez para o meu baptizado”, conta.

A vocação surgiu por acaso, já que a portalegrense gostava mesmo era de bordar, do ponto-cruz ao meio ponto. Mas, a certa altura, a fama da padaria que o pai tinha no rés--do-chão de casa chamou toda a gente à obra e Judite, perfeccionista, especializou-se nos doces conventuais. A irmã morreu há mais de dez anos e Judite enviuvou há seis.

Hoje vive sozinha no edifício onde em tempos se fazia fila para os doces das “manas Cardoso” e que ao longo dos anos aviou encomendas para todo o país e estrangeiro, incluindo para a mesa de Salazar. Tal como o chefe de Estado, ela também é famosa pelo seu rapa. Sempre teve aversão a desperdiçar a massa dos doces.

Tanto que, quando formou 14 mulheres para manter viva a tradição, dedicaram-lhe um poema com o título “Raspa à Dona Judite”. Reformou–se aos 71 anos, por razões de saúde, e hoje só se lança ao fogão para agradar a amigos e família, sem cobrar. Mas tem sempre o frigorífico com ovos, amêndoa e farinha de arroz. “Sabe porque faziam doces as freiras? Precisavam da goma das claras para passar os hábitos e tinham de usar as gemas que sobravam.”

in Jornal i Texto de Marta F. Reis, publicado em 25/10/2015