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Sem apoios, pandemia atirou artistas de circo para a construção civil

Foi há pouco mais de um mês que o Circo Nederland voltou à estrada e a levar a alegria dos seus espetáculos de terra em terra. Passou, este fim de semana, por Elvas.

Foi mais de um ano de paragem forçada, devido à pandemia. Os palhaços, os malabaristas, os mágicos e os trapezistas viram-se obrigados, durante todo este tempo, a dedicar-se a outros trabalhos e profissões. Agora, e de novo na pele de artistas, regressam, aos poucos, aos espetáculos e àquilo que mais gostam de fazer, mas apenas em concelhos em que as autarquias o permitam.

Sem apoios do Estado, por ser considerado uma mera diversão, e não um espetáculo cultural, explica Eva Monteiro, a responsável pelo Circo Nederland, uma companhia familiar, viu os seus filhos a terem de arregaçar mangas e a trabalhar nas obras. “O Circo Nederland esteve parado um ano e sete meses. Os meus filhos foram trabalhar para as obras, porque a vida continua e temos de comer, de pagar as despesas. Não podíamos ficar parados, sem fazer nada. Assim passámos este tempo tão difícil, até que já pudemos abrir o circo, de momento, sem grandes restrições. E aqui estamos, a divertir o público”, começa por dizer.

Questionada sobre o facto do número de novos casos diários de Covid-19 estar a crescer, a cada dia que passa, no país, Eva acredita que já nada os vai impedir de manter as portas do circo abertas. “Não tenho receio, mas eu acho que vamos voltar às restrições. Mas a vida já não pode voltar para trás novamente”, garante esta mulher que se apaixonou pelo dono deste circo, ainda muito jovem, altura em que também se apaixonou pela arte circense. Era cabeleireira, na Holanda, mas nada na vida lhe dá mais prazer que poder dirigir esta família, que dedica a sua vida ao circo, há cerca de 40 anos.

Neste regresso aos espetáculos, Eva garante que a população tem correspondido, mostrando-se, inclusive, solidária com os artistas. “Começámos a trabalhar muito bem e muita gente vem, porque sabem que o circo passou por momentos muito maus”, revela. A verdade é que o circo sobrevive, única e exclusivamente das receitas de bilheteira, ainda que Eva se diga “muito agradecida” a algumas autarquias que, por esta altura, não estão a cobrar as habituais licenças.

“As pessoas, às vezes, pensam que nós chegamos com o circo e temos tudo de graça, mas não. Nós temos de fazer contratos de luz, temos de pagar as taxas camarárias, de pagar, muitas vezes, os terrenos, a propaganda, o gasóleo, a alimentação. Tudo é um gasto enorme. Se as pessoas não vêm, e pagam o bilhete, o circo termina. As pessoas, que vêm divertir-se, são o único apoio que temos”, acrescenta.

Apesar dos protestos, durante a fase mais crítica da pandemia, os artistas de circo não conseguiram quaisquer apoios. “Fomos aos jornais, às rádios, às televisões. Os meus companheiros, em Lisboa, também estiveram a lutar, mas não conseguimos absolutamente nada”, recorda.

A vida no circo começa desde muito cedo, mas quem nasce neste meio, garante Eva Monteiro, já não vai querer fazer outra coisa da sua vida. É o caso dos seus filhos, mas também dos seus netos: uns a estudar de escola em escola, outros em ensino à distância. Um deles, confessa, tem tudo para ser um palhaço de excelência. Já os aplausos, quando o espetáculo acaba, diz ainda, acabam por ser o verdadeiro “alimento para a alma” dos artistas.

Em março do ano passado, na altura em que a Covid-19 começou a deixar as primeiras marcas, sem precedentes, em Portugal, este circo tinha acabado de chegar à Figueira da Foz. Viu-se obrigado a ficar parado, à espera que a pandemia acabasse. Foi, na verdade, a solidariedade, de quem por lá passava, que permitiu aos artistas que fossem sobrevivendo por esses dias. Apesar das dificuldades, fechar portas, de forma definitiva, e dizer adeus ao circo, para sempre, nunca será uma opção para esta companhia.

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