Corria o ano de 1622 quando a água começou, também ela, a correr por aquele que é um dos monumentos mais emblemáticos do concelho de Elvas: o Aqueduto da Amoreira.
Hoje, a água já não corre, como há 400 anos, neste que é um dos maiores ex-líbris da cidade e que serve agora, sobretudo, como pano de fundo para as milhares de fotografias que os turistas, e não só, gostam de tirar, para, depois, publicarem nas redes sociais com o objetivo de eternizar a sua passagem pela cidade, classificada, há dez anos, como Património da Humanidade, pela UNESCO.
Ao longo de 2022, em que se assinalam os 400 anos da sua inauguração, o Aqueduto da Amoreira ganha também um destaque especial com um tour que o guia-intérprete elvense Miguel Antunes tem vindo a promover, desde janeiro. Nestas suas visitas guiadas pelos cantos e recantos do Aqueduto, o guia procura, acima de tudo, marcar esta importante e histórica data, com vista à valorização deste imponente monumento.
“Era importante marcar a data e, ao longo deste ano, irei fazer, regularmente, este circuito, para, de alguma forma, celebrar e para que nós, elvenses, púnhamos em valor aquilo que é nosso”, começa por dizer Miguel Antunes. Habituado a trabalhar com turistas, estes ficam “de boca aberta” com este monumento. “Temos de ser nós, também, a ficar de boca aberta, porque se há monumento, em Elvas, que é nosso, é o Aqueduto”, acrescenta.
Aos participantes no seu tour, o guia vai apresentando, ainda antes do arranque da caminhada, várias imagens e explicando aquilo que, de mais importante, aconteceu no período de construção deste inigualável monumento. O Aqueduto, monumento nacional, desde 1910, hoje motivo de admiração, por parte de quem visita Elvas, diz Miguel Antunes, só o é graças aos antepassados. “Ele é fruto do grande esforço económico e pessoal que os nossos bi-bi-bisavós dedicaram à sua construção. Percorre-lo como nós o percorremos e falar da água, da sua importância para Elvas, é precisamente o objetivo deste tour”, diz ainda.
Esta, que foi uma obra iniciada com um pedido feito pelos procuradores da cidade, em 1498, ainda no reinado de D. Manuel I, demorou mais de um século a ser dada por concluída, ainda que com várias paragens.
O Aqueduto é “uma das maiores obras construídas em Elvas, ao longo da sua história”, garante Rui Jesuíno. “O abastecimento à cidade era mau, feito, sobretudo, por pequenos poços e fontes, como o poço de Alcalá, na Praça da República, que não era suficiente”, recorda o historiador e cronista oficial de Elvas. Ainda vila, a poucos anos de ser cidade, Elvas só começa, em 1527, depois de encontrada uma nascente na Herdade da Amoreira, a começar a ver nascer a obra. Mas “passado um ou dois anos”, a obra para.
Em 1537, já no reinado de D. João III, o arquiteto Francisco de Arruada visita Elvas para supervisionar a obra e delinear o aqueduto em mapa. “Em cinco anos, desde a Herdade da Amoreira até ao Convento de São Francisco, o Aqueduto está construído, mas o pior vem depois, porque havia que ultrapassar aquilo que é chamado como o Rossio de São Francisco”, ou seja, entre o Convento de São Francisco e a cidade, onde o aqueduto “se eleva, praticamente, a 40 metros de altura”.
Por essa altura, a autarquia de Elvas procura implementar a figura do visitador da obra, para que a população “não roubasse água”. Por falta de dinheiro, entre 1548 e 1570, as obras do Aqueduto voltam a parar. É então que se lança o imposto do Real de Água, que recai sobre os bens de consumo, como carne, peixe e vinho.
Retomadas em 1573, as obras são reiniciadas, a mando de D. Sebastião, pelo engenheiro Afonso Álvares. “Mas poucos metros avançam e, em 1580, Portugal perde a independência e as obras param, durante 18 anos, entre 1580 e 1598”.
Entretanto, o Duque de Bragança envia o arquiteto e escultor Pedro Vaz Pereira a Elvas, em 1610, que acaba por perceber que a altura do Aqueduto não era a suficiente para fazer chegar a água ao Largo da Misericórdia, “e muito menos à Rua da Cadeia e à Praça”. Cinco anos depois, “tenta-se avançar mais um pouco”, relata Rui Jesuíno, sendo que parte da construção acaba por ruir.
Entre 1615 e 1622, finalmente, consegue-se terminar a obra. “A 23 de junho há uma grande inauguração do Aqueduto que, pela primeira vez, jorra a sua água na Fonte da Misericórdia”, conta o historiador. A água deixa de correr no Aqueduto entre as décadas de 60 e 70, quando se percebe que a mesma começa a deixar de ser potável.
Estendendo-se por uma extensão de cerca de dez quilómetros, o aqueduto comporta um conjunto de diversas galerias, que numa primeira zona são subterrâneas, e ao nível do terreno são formadas por quatro arcadas sobrepostas, apoiadas em pilares quadrangulares e fortalecidas por contrafortes semicirculares.
O Aqueduto tem vindo ser alvo de algumas obras de restauro, desde março do ano passado, num comprimento de 270 metros, desde a zona do rossio de São Francisco até ao primeiro arco atravessado, na Estrada da Calçadinha. As obras de recuperação, que ainda decorrem, deverão atingir, na globalidade, um investimento a rondar os dois milhões de euros.
O Aqueduto da Amoreira é um dos monumentos classificados, juntamente com as fortificações abaluartadas, todo o centro histórico de Elvas, o Forte de Santa Luzia, o Forte da Graça, e os três fortins – de São Pedro, de São Mamede e de São Domingos ou da Piedade – como Património Mundial, pela Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), a 30 de junho de 2012.
A reportagem, na íntegra, para ouvir no podcast abaixo:
