O arcebispo de Évora, D. Francisco Senra Coelho, em tempos de Quaresma, período do ano litúrgico que antecede a Páscoa, lembra, numa mensagem enviada à redação desta estação emissora, que esta deve incidir, sobretudo, “na ação purificadora e santificadora do Senhor”.
Os meios sugeridos para a prática quaresmal, revela ainda, são “a escuta mais frequente da Palavra de Deus; oração mais intensa e mais prolongada, o jejum e as obras de caridade”.
Para além disso, o arcebispo assegura, nesta mensagem, “o sofrimento que o povo ucraniano experimenta nesta hora da sua história”, situação que “golpeia os nossos corações” e que nos deve fazer “olhar mais para eles do que para nós”.
A mensagem, para ler, na íntegra:
“Estimados Presbíteros, Diáconos, Consagrados e Consagradas, Seminaristas, Famílias e Jovens, Cristãos e Cristãs, que o Senhor esteja convosco e vos conceda saúde, paz e bem!
1.A Quaresma não é uma proposta obsoleta, caduca, e arqueológica de práticas espirituais e ascéticas de outras e para outras épocas, mas “Tempo Favorável” oferecido por Deus para que experimentemos de modo mais vivo e comprometido o mistério pascal de Cristo: «Se somos filhos, então somos herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros com Cristo, de fato participamos dos seus sofrimentos, para que também participemos da sua glória» (Rm 8,17).
A Quaresma é “Tempo Favorável” no qual Cristo purifica a Igreja sua esposa, «Vós, maridos, amai vossas mulheres, como também Cristo amou a igreja, e a si mesmo se entregou por ela, Para a santificar, purificando-a com a lavagem da água, pela palavra, para a apresentar a si mesmo gloriosa, sem mácula, nem ruga, nem coisa semelhante, mas santa e irrepreensível» (Ef 5:25-27). Assim, o ‘Tempo Santo’ da Quaresma assenta, não tanto sobre as nossas práticas ascéticas, mas na acção purificadora e santificadora do Senhor; as obras penitenciais são sinal da nossa participação no mistério de Cristo que por nós fez penitência, jejuou no deserto e na cruz se entregou até ao fim. Deste modo, a Igreja é uma comunidade pascal, porque é batismal. Esta realidade manifesta-se não só porque se entra nela mediante o batismo, mas sobretudo porque Ela é chamada a exprimir com uma vida de contínua conversão o sacramento que a gera. Por isso, a Quaresma é o tempo da grande convocatória de todo o Povo de Deus, para que se deixe purificar e santificar pelo seu Senhor e Salvador.
Vivendo conscientemente a Quaresma, percebemos que a sua espiritualidade deve assumir a totalidade da sua exigência: pascal – batismal – penitencial–eclesial. Por isso, a penitência quaresmal não pode ser só interior e individual, mas tem que se assumir também externa, comunitária e social: a detestação do pecado como ofensa a Deus; as consequências sociais do pecado; a consciência da Igreja como pecadora e necessitada de purificação; a oração solidária por todos e com todos os pecadores; a partilha solidária com os mais necessitados.
Segundo a Constituição Litúrgica do Concílio Vaticano II, (SC 109-110), os meios sugeridos para a prática quaresmal são: a escuta mais frequente da Palavra de Deus; oração mais intensa e mais prolongada, o jejum e as obras de caridade. Procuremos concretizar estas propostas quaresmais na nossa Arquidiocese Eborense.
2.O nosso Plano Pastoral 2021-2022, “Cuidar e inserir os sedentos de Esperança”, «Dai-lhes vós mesmos de comer» (Lc 9,13), «remete-nos para uma questão fundamental da experiência cristã (…) Toca o coração da proposta do evangelho. Enquanto evoca o que de melhor a experiência da Igreja tem realizado nos caminhos da história, aponta, ao mesmo tempo, as urgências mais prementes da sua missão nos actuais contextos».
“Dai-lhes vós mesmos de comer” percebemos que Jesus ordena aos doze que dêem de comer à multidão. Eles, porém, não se dão conta do dom que Jesus está a confiar às suas mãos: o pão da Palavra e o pão da Eucaristia. Não entendem que a sua bênção multiplicará infinitamente este alimento que sacia todo o tipo de fome: a fome de felicidade, de amor, de justiça, de paz, a necessidade de encontrar o sentido da vida, a ânsia de um mundo novo.
Consciente deste dom e desta tarefa o nosso Plano Pastoral conclui que «os novos cenários de cada época comprometem a comunidade cristã com novas configurações e respostas na fidelidade à missão que Jesus confiou aos seus discípulos. A missão é sempre a mesma, mas os contextos são sempre novos. Daqui decorre o imperativo de nos questionarmos de como poderemos, hoje, ser fiéis à missão de cuidar e inserir os irmãos mais debilitados e que clamam por um olhar ou um abraço redentor».
O Papa Francisco ajuda-nos a perceber a nossa tarefa e a nossa missão no contexto exigente em que vivemos: «aquilo que temos só produz frutos se o dermos (isto é o que nos quer dizer Jesus!); e não importa se é muito ou pouco. O Senhor faz grandes coisas com o nosso pouquinho, como no caso dos cinco pães. Ele não realiza prodígios com acções espetaculares, não tem a varinha mágica, mas atua com coisas humildes. A omnipotência de Deus é humilde, feita apenas de amor; e o amor faz grandes coisas com as coisas pequenas. Assim no-lo ensina a Eucaristia: nela está Deus encerrado num bocado de pão. Simples, essencial, pão partido e partilhado, a Eucaristia que recebemos transmite-nos a mentalidade de Deus e leva a darmo-nos, a nós mesmos, aos outros. É o antídoto contra afirmações como estas: “lamento, mas não me diz respeito, não tenho tempo, não posso, não é da minha conta”. Antídoto contra o virar a cara para o outro lado. (Homilia Papa Francisco – Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo).
O chamamento que o Espírito Santo dirige à Igreja que peregrina em Évora para “Cuidar e inserir os sedentos de Esperança”, revê-se neste momento evangelizador de Cristo. De facto, quem acolhe o Evangelho e com ele alimenta a sua vida, quem assimila a pessoa de Cristo alimentando-se do pão eucarístico, por sua vez sente necessidade de tornar os outros participantes da sua descoberta e da sua alegria e começa a distribuir também o pão que saciou a sua fome. Desencadeia-se assim um processo de partilha e os doze cestos estão sempre cheios e prontos para recomeçar a distribuição. Quanto mais aumentam aqueles que se alimentam do pão da Palavra de Cristo e da Eucaristia, mais se multiplica o pão distribuído a quem tem fome.
Perante a experiência eclesial da partilha, mais evidente é o contraste com o mundo sem Deus e concluímos com o Papa Francisco: «No mundo, procura-se sempre aumentar os lucros, aumentar o volume de negócios… Sim, mas com que finalidade? É o dar ou o ter? O partilhar ou o acumular? A «economia» do Evangelho multiplica partilhando, alimenta distribuindo; não satisfaz a voracidade de poucos, mas dá vida ao mundo (cf Jo 6,33). O verbo de Jesus não é ter, mas dar.
3.Caros Irmãos e Irmãs, são grandes as necessidades que nesta conjuntura se fazem sentir em muitas populações alentejanas e ribatejanas da nossa Arquidiocese, porém o sofrimento que o povo ucraniano experimenta nesta hora da sua história golpeia os nossos corações e faz-nos olhar mais para eles do que para nós. Por isso, repartiremos com eles aquilo que o Senhor na Sua infinita bondade nos oferece e pela nossa partilha com o povo ucraniano, ainda que pequena como um grão de mostarda, multiplicar-se-á para eles cem por um em utilidade, e para nós em Luz e Alegria. Assim, destinamos a nossa Renúncia Quaresmal deste ano às Caritas das Igrejas Latina e Grega Católicas da Ucrânia.
Como habitualmente, este serviço distributivo é entregue com gratidão pelos anos já executados, à Cáritas Diocesana, devendo os Reverendos Párocos endereçar as ofertas das suas Paróquias ao Instituto Diocesano Eborense (IDE), serviço central da Arquidiocese com a brevidade possível, pois as necessidades revestem-se de grande urgência.
Sintamo-nos unidos à Igreja Universal assumindo na comunhão a Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2022. Que ela nos inspire: «Não nos cansemos de fazer o bem; porque, a seu tempo colheremos, se não tivermos esmorecido. Portanto, enquanto temos tempo, pratiquemos o bem para com todos». (Gal. 6,9-10a).
Para todos, votos de fecunda Quaresma a caminho da Páscoa 2022.
+ Francisco José Senra Coelho
Arcebispo de Évora”