Na sequência da notícia publicada ontem, segunda-feira, 22 de agosto, pela Rádio ELVAS (ver aqui), a Associação Um Coletivo emitiu, esta terça-feira, um comunicado onde explica, ao pormenor, as razões que levam a associação a mudar-se de Elvas para Portalegre.
O comunicado, na íntegra, para ler, abaixo:
“O comunicado que agora partilhamos é escrito no rescaldo de um Sobressalto agridoce. Entre as lotações cheias, transbordava a tristeza e a revolta de quem vê um projeto ser estrangulado. Após uma conversa pública sobre os destinos do UMCOLETIVO, do Festival A Salto e da política cultural em Elvas (temas que se confundem, por vezes), as ideias começaram a organizar-se. O que pode um Festival? Um festival pode celebrar aquilo que existe ao longo do ano. E é por isso que, estrangulando uma estrutura, não podemos festejá-la. O A Salto é também uma celebração do modus operandi do UMCOLETIVO – uma estrutura que quer procurar uma criação contemporânea engajada no património imaterial e no território, esculpindo comunidades efémeras horizontais e livres.
É preciso dizer que o UMCOLETIVO não nasceu em Elvas. Nasceu, como a maior parte das estruturas artísticas portuguesas, no contexto da grande Lisboa, em 2013. Após dois anos de intensa atividade experimental, mudámo-nos – sem real consciência de que essa mudança viria a ser um gesto de redefinição da associação, dos seus objetivos e dos seus horizontes. Para além dos projetos de criação artística contemporânea, envolvemo-nos em processos de desenvolvimento de novos públicos, relacionando-nos diretamente com as escolas e com as demais associações e empresas, e sonhámos um espaço franco e comunitário, que pudesse ser transformador para a comunidade de Elvas e para a comunidade artística contemporânea. O expoente máximo desse sonho chama-se A Salto – um festival que foi crescendo de forma tímida e, ainda assim, exponencial, alicerçado em princípios tão democráticos que podem assustar as falsas democracias. Quando chegámos a Elvas, apercebemo-nos do privilégio que é, do ponto de vista do acesso à cultura enquanto direito salvaguardado pela Constituição Portuguesa, viver nos grandes centros urbanos. É, portanto, por aí que começamos: pelo entendimento de que ao Estado Central e aos Municípios cabe a garantia do cumprimento da nossa Constituição da República e que, por isso, estando uma Associação – como está, neste caso, a UMCOLETIVO – a prestar serviço público, deve legitimamente ser objeto de apoios públicos. À semelhança de uma série de outras entidades, também a UMCOLETIVO concorre a financiamentos estatais, cumprindo os regulamentos e sendo os seus projetos objeto de fiscalização e acompanhamento por quem de direito – aos que tiverem curiosidade, o UMCOLETIVO apresentou o seu pedido de apoio ao Município de Elvas, através do RAAME, em Janeiro de 2022, solicitando ao Município uma série de apoios logísticos (cedência de espaço, recursos técnicos e humanos) para os quais, até hoje, não obtivemos resposta, bem como um apoio financeiro de 30 000 euros. Este tem sido o procedimento habitual, desde 2016. Porém, e pela primeira vez, a resposta obtida por parte do Município não só não esteve conforme as necessidades mínimas de sobrevivência do projeto (atendendo a que o município garantiria cerca de 30% do orçamento geral do Plano Anual de Atividades), como a mesma foi dada de forma absolutamente desonesta. Assim, é importante explicitar que:
a) Face ao pedido de apoio financeiro de 30 mil euros, feito em janeiro, relativo às atividades desenvolvidas ao longo do ano, bem como ao Festival A Salto e ao ACTO – A Festa do Teatro em Elvas (iniciativa municipal, que conta com a curadoria e apoio do UMCOLETIVO), o Município de Elvas respondeu com o apoio de cinco mil euros apenas para o ACTO, em março de 2023 e, novamente e após insistência, em julho do presente ano, com outros cinco mil euros para as demais atividades;
b ) Entre uma e outra deliberações, houve uma reunião (solicitada pelo UMCOLETIVO) em que se acordou que o valor mínimo de apoio para realização do festival seria de dez mil euros, valor com o qual contámos, fazendo boa fé na palavra dos representantes do executivo camarário, até sermos surpreendidos pela deliberação de apenas 50% desse valor, aprovada por unanimidade em Reunião de Câmara. Até hoje, permanecemos na ignorância sobre o motivo da ‘nova’ redução orçamental;
c) Procurámos ainda que o Município pudesse contribuir para a candidatura ao apoio sustentado da DGArtes, através do qual é possível a captação de verbas para o desenvolvimento artístico da comunidade e do território, pelo estabelecimento de uma parceria a dois anos, que implicasse uma cedência de espaço de trabalho, recursos logísticos e a atribuição de um valor financeiro a averiguar em conjunto. Já expirou o prazo da candidatura e, muito embora tenhamos feito esforços no sentido de receber uma resposta da autarquia, não fomos contactados nesse sentido.
d) Com respeito aos pedidos logísticos vertidos no RAAME, continuamos também sem receber qualquer resposta oficial (incluindo o pedido cuja importância salientámos bastantes vezes de cedência de um espaço de trabalho).
Neste momento, o apoio financeiro do Município de Elvas representa 11% do orçamento geral das atividades do UMCOLETIVO para o corrente ano. O que torna clara a política definida pelo Município – os eventos, como o ACTO e o A Salto, mesmo que emagreçam, não devem sair do calendário – ou então o preenchimento avulso de agenda à qual chamam política cultural poderia ver-se afetado. O trabalho da UMCOLETIVO não é compatível com uma visão mercantilista e gentrificada do desenvolvimento cultural. A cultura é um bem essencial – e muito embora o essencial seja invisível aos olhos, é tangível quando, à flor da pele, nos arrepiamos e comovemos com a dimensão do trabalho que temos desenvolvido em conjunto com uma comunidade que, se um dia foi elite, tem vindo a alargar-se a pouco e pouco. Sabemos que estamos no início. Sabemos também da importância do trabalho diário – como agricultores, cuidamos da terra com arados invisíveis que plantam sementes. Onde germina a arte, nascem cidadãos mais conscientes, mais livres, mais felizes. Afirmamo-nos no combate à desigualdade de liberdades que gera a inconsciência e a falta de confiança no mundo. E podemos abdicar até de dinheiro em prol de utopias – ou não tivéssemos crescido a aprender a precariedade – mas jamais abdicaremos da utopia.
Importa ainda pensar no impacto e nos ecos deste trabalho – é o eco que define o alcance e a dimensão. O A Salto e o plano anual do UMCOLETIVO cartografa uma cidade que se estende a muitas outras regiões do país, e também a África, à Europa e à América do Sul. Sabemos que a vontade de fazer um mundo fraterno e justo nos impele a agir com uma verticalidade que não se disfarça: não estamos a falar de dinheiro, nem somos nós quem está a desistir do território. Estamos, como sempre estivemos, disponíveis para dialogar – assim as palavras encerrem um compromisso efetivo para aqueles que, como nós, querem trabalhar condigna e seriamente”.